Cansei, mas é impossível sair desta novela!

Cansei! Cansei de ter que ser inteligente, cansei de ter que ser bonita, cansei de ter que ser interessante, cansei de ter que ser boazinha, de ter que cozinhar bem, de ser boa dona de casa e parecer que um dia eu vá ser uma boa mãe. Cansei de tentar me enquadrar no padrão masculino de boa mulher. Cansei de ter que sair pra conhecer gente nova, cansei de tentar fazer novos amigos, cansei de tentar "dar mole", cansei mais ainda dos joguinhos, cansei de tentar parecer resolvida e pronta pra uma nova paixão.

As vezes o que eu mais queria era voltar praquela época em que o próprio pai escolhia o homem com quem você iria namorar, casar e ser feliz. Talvez ele soubesse escolher melhor do que eu, porque pelo visto eu sou péssima nisso. Pelo menos eu não teria trabalho algum. Não me sentiria feia, desinteressante nem burra, até porque inteligência não era uma exigência para as mulheres da época. Aliás, as vezes tenho a impressão de que até hoje os homens não fazem questão disso, nunca parece ser uma prioridade em suas escolhas. Certa estava a Silvania quando me disse que "os homens se apaixonam com os olhos e as mulheres com os ouvidos". Conclusão: se a mulher for gostosona terá todos os homens aos seus pés, e se o cara tiver boa lábia terá todas as mulheres que quiser. Isso ouvi quando ainda era uma criança e desde então venho comprovando essa tese.

Por isso me sinto fatigada, com preguiça para os homens. Pois não estou a fim de ser a gostosona e nem consigo mais acreditar no que ouço deles. Mas aí me vem a poesia e destrói todas as minhas verdades. Leio versos de um eu-lírico apaixonado, crente no amor e me dizendo que uma pessoa pode ser a razão da existência da outra, me fazendo acreditar que tudo é tão simples e tão maravilhoso que me dá até vontade de viver esses versos. Com isso me ponho a pensar se esse trabalho todo que consiste um relacionamento vale realmente a pena. Confesso ainda não ter certeza sobre isso. Mas depois de ler estes versos que seguem de Luis Cernuda Bidón, poeta espanhol nascido em 1902 ( que talvez na época em que viveu fosse mais coerente seus versos), pense você amigo, como numa boa cena de novela mexicana, se todo esse drama que muitos chamam de amor, vale realmente a pena:

SI EL HOMBRE PUDIERA DECIR LO QUE AMA

Si el hombre pudiera decir lo que ama,
si el hombre pudiera levantar su amor por el cielo
como una nube en la luz;
si como muros que se derrumban,
para saludar la verdad erguida en medio,
pudiera derrumbar su cuerpo,
dejando sólo la verdad de su amor,
la verdad de sí mismo,
que no se llama gloria, fortuna o ambición,
sino amor o deseo,
yo sería aquel que imaginaba;
aquel que con su lengua, sus ojos y sus manos
proclama ante los hombres la verdad ignorada,
la verdad de su amor verdadero.

Libertad no conozco sino la libertad de estar preso en alguien
cuyo nombre no puedo oír sin escalofrío;
alguien por quien me olvido de esta existencia mezquina
por quien el día y la noche son para mí lo que quiera,
y mi cuerpo y espíritu flotan en su cuerpo y espíritu
como leños perdidos que el mar anega o levanta
libremente, con la libertad del amor,
la única libertad que me exalta,
la única libertad por que muero.

Tú justificas mi existencia:
si no te conozco, no he vivido;
si muero sin conocerte, no muero, porque no he vivido.

O espanhol parece deixar qualquer verso mais dramático, mas creio que esta última estrofe seria digna de uma novela mexicana em qualquer língua.